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A pesquisa histórica institucionalizou-se no séc. XIX, momento que se caracterizou pela hegemonia de certos temas de investigação sobre outros – com destaque para a história política das nações, centrada nos grandes acontecimentos e nas grandes personagens –, pela perspectiva disciplinar de fazer ciência, e em que se definiu o chamado paradigma tradicional da historiografia (BURKE, 1992). Acompanhando, porém, a crescente fragmentação do saber que, em contrapartida, será uma das marcas mais evidentes do século XX – ou, se se preferir, da modernidade e da pós-modernidade –, verificou-se, sobretudo nas décadas de 70 e 80, uma expansão do universo historiográfico, que se materializou tanto na fragmentação das especialidades, quanto na fragmentação de perspectivas ou de paradigmas, gerando, quase simultaneamente, a exigência de interdisciplinaridade (BARROS, 2004).

 

É nesta complexa gama de especialidades que se insere a chamada História Cultural, campo com aproximação indispensável à moderna Antropologia, por com ela compartilhar um conceito de cultura suficientemente abrangente para, por exemplo, não só romper com a tradicional divisão entre sociedades ditas “com” e “sem” cultura e atribuir igual importância ao estudo da cultura “cotidiana” e ao estudo da dita “alta” cultura, como também, assimilando as ideias da estética da recepção, por passar a considerar a perspectiva dos atos de apropriação cultural como atos não passivos e, finalmente, rechaçando até o conceito marxista de superestrutura, por substituí-lo pela tese de que a cultura é um espaço de resistência às pressões sociais, sendo mesmo capaz de conformar a realidade (CASTILLO GÓMEZ, 2003, p. 106).

 

A História da Cultura Escrita[1], área do saber a que se dedica o programa de investigação que aqui se apresenta, é uma subespecialidade da História Cultural. Segundo o paleógrafo italiano Armando Petrucci (2003, p. 7-8), os historiadores da cultura escrita devem ocupar-se

 

de la historia de la producción, de las características formales y de los usos sociales de la escritura y de los testimonios escritos en una sociedad determinada,

 

devendo, para tal, responder, para qualquer tempo histórico, ao seguinte conjunto mínimo de questões:

 

  • Qué? En qué consiste el texto escrito, qué hace falta transferir al código gráfico habitual para nosotros, mediante la doble operación de lectura y transcripción.

  • Cuándo? Época en que el texto en sí fue escrito en el testimonio que estamos estudiando.

  • Dónde? Zona o lugar en que se llevó a cabo la obra de transcripción.

  • Cómo? Com qué técnicas, com qué instrumentos, sobre qué materiales, según qué modelos fue escrito ese texto.

  • Quién lo realizo? A qué ambiente sociocultural pertenecía el ejecutor y cuál era en su tiempo y ambiente la difusión social de la escritura.

  • Para qué fue escrito ese texto? Cuál era la finalidad específica de ese testimonio en particular y, además, cuál podia ser en su época y en su lugar de producción la finalidad ideológica y social de escribir.

 

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No ano de 2009, o Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal da Bahia sofreu um processo de reestruturação que conduziu à criação de dois programas independentes – o Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura e o Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura. No bojo de tal processo, quatro docentes – Tânia Lobo, Klebson Oliveira, Rosa Virgínia Mattos e Silva e Emília Helena de Souza – propuseram a criação da linha de pesquisa História da Cultura Escrita no Brasil no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura.

 

No extinto Programa de Pós-Graduação, os quatro docentes referidos atuavam na linha Constituição Histórica de Língua Portuguesa; no novo, passaram a integrar duas linhas, a já referida História da Cultura Escrita no Brasil[2] e também a linha Constituição Histórica de Língua Portuguesa e das demais Línguas Românicas[3]. Para além do seu vínculo institucional com a Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia, estão os quatro docentes integrados a dois grupos de pesquisa, que atuam, ininterruptamente, desde 1992 e 1997: são, respectivamente, o PROHPOR (Programa para a História da Língua Portuguesa, Coordenado pela Professora Rosa Virgínia Mattos e Silva) e o PHPB (Projeto Para a História do Português Brasileiro, Coordenado pelo Professor Ataliba Teixeira de Castilho).

 

Fundado em 1997, o PHPB estruturou-se em três campos ou frentes inter-relacionadas de investigação: a) um campo histórico-filológico, visando à constituição de corpora diacrônicos de documentos de natureza vária, escritos no Brasil, a partir do século XVI; b) um campo gramatical, visando ao estudo de mudanças linguísticas depreendidas na análise dos corpora constituídos e c) um campo de história social linguística, visando à reconstrução mais ampla da história social linguística do Brasil e, em particular, do português brasileiro.

 

Da atuação mais direta dos pesquisadores nos campos “b” e “c” acima apresentados é que se constatou a necessidade de um diálogo entre historiadores das línguas – em particular, historiadores do português brasileiro – e historiadores da cultura escrita. 

 

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  1. Castillo Gómez (2003) adverte para o fato de que o reconhecimento e o uso da expressão História da Cultura Escrita se circunscrevem à segunda metade da década de 90, embora tal expressão efetivamente venha designar um campo de confluência de duas tradições de estudos já existentes – a história da escrita e a história do livro e da leitura – que, até então, trilhavam caminhos paralelos.

  2. Esta nova linha foi inicialmente designada História da Leitura e da Escrita no Brasil.

  3. Com a reestruturação, a linha Constituição Histórica de Língua Portuguesa e das demais Línguas Românicas passou a congregar docentes que antes atuavam em duas linhas de pesquisa distintas – Constituição Histórica de Língua Portuguesa e Mudanças Linguísticas na România.

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