HISCULTE
O principal objetivo deste Programa é desenvolver projetos de pesquisa no âmbito dos campos de investigação abaixo indicados. Tais campos, embora sejam individualizados a partir de objetivos e aspectos específicos que os caracterizam, estão, em muitos casos, interconectados, conforme se explicitará a seguir:
CAMPO 1: Mensuração de Níveis de Alfabetismo na História do Brasil
O campo 1 dedica-se ao estudo da difusão social da escrita na sociedade brasileira, desde as suas origens, no século XVI, aos dias atuais. Para todo o período anterior ao século XIX, correspondente, portanto, ao Antigo Regime, a via privilegiada não será a do discurso oficial nem a da história da escolarização, mas a da aplicação crítica do chamado método do cômputo de assinaturas a fontes documentais oriundas de esferas diversas, tais como a esfera religiosa, a jurídica e a administrativa. Apesar das críticas a tal método, as porcentagens de assinaturas serão aqui consideradas nos termos em que as avalia Chartier (2004, p. 114), como “indicadores culturais macroscópicos, compósitos, que não medem exatamente nem a difusão da capacidade de escrever, mais restrita do que os números indicam, nem a da leitura, que é mais extensa.” Às abordagens de caráter mais quantitativo, também se poderão aliar, na linha encabeçada por Armando Petrucci (1978), no âmbito da paleografia italiana, e por autores vinculados a outras escolas, análises de caráter qualitativo, em que se atentará para aspectos mórficos da escrita que permitam uma taxionomia das mãos escreventes. Os estudos parciais produzidos nesse campo, para além do seu valor intrínseco, deverão, em última instância, compor o “pano de fundo” em que, na longa duração, se divisem mudanças que não só afetaram as práticas de leitura e escrita em si, mas que também terão gerado consequências para a história linguística do país. Relativamente a esse campo, deve-se ressaltar, por fim, que, no Brasil, à parte alguns poucos trabalhos, como, por exemplo, o pioneiro, porém ainda bastante incipiente, realizado por Renato Pinto Venâncio (2001) para a cidade mineira de Mariana no século XVIII, computando assinaturas em Livros de ingresso em irmandades leigas e em Livros paroquiais de casamento, tudo ou quase tudo ainda está por fazer.
CAMPO 2: Leitura e Escrita aos Olhos da Inquisição
O campo 2 relaciona-se ao anterior, mas o extrapola no conjunto dos seus objetivos gerais. Aqui, o foco está na exploração vertical das fontes inquisitoriais produzidas no mundo colonial ibérico. O Tribunal do Santo Ofício atuou na Península Ibérica ao longo de três séculos e meio e sua ação ainda se expandiu para áreas extraeuropeias dominadas por Portugal e Espanha. Na América Espanhola, foram instalados tribunais no México e em Lima em 1569-1570 e também em Cartagena de Índias em 1610. Quanto ao império colonial português, as áreas afetadas foram Goa, onde também, de 1560 a 1774 e de 1778 a 1812, um tribunal atuou, e ainda Angola e o Brasil, que foi alvo de quatro visitações: à Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba nos anos de 1591/1595; novamente à Bahia nos anos de 1618/1620; às capitanias do Sul nos anos de 1627/1628 e, finalmente, ao Grão-Pará nos anos de 1763/1769. Este campo de investigação articulará projetos nas três esferas a seguir discriminadas:
2.1. Mensuração de níveis de alfabetismo no mundo colonial ibérico:
Primeiramente, aplicando o já referido método do cômputo de assinaturas, as análises se concentrarão no conjunto de depoimentos prestados e assinados perante o Santo Ofício nas suas visitações ao Brasil. Em momento posterior, buscarão contemplar o mesmo tipo de fonte que se produziu em Goa, Angola, Peru, Colômbia e México. Concluídas as análises parciais, a perspectiva final é de traçar um quadro geral comparativo, agregando ainda a Península Ibérica, com base nos estudos já produzidos por Francisco Ribeiro da Silva (1986), Justino Pereira de Magalhães (1994), Henrique Rodrigues (1995) e Rita Marquilhas (2000), para Portugal, e por Marie-Christine Rodríguez & Bartolomé Bennassar (1978), para a Espanha.
2.2. Trajetórias singulares:
Em contraponto à perspectiva delineada no item 1.2.1., em que se buscará averiguar a difusão da escrita entre uma população ou entre segmentos populacionais, aqui é a relação de indivíduos singulares com a leitura e a escrita que será problematizada. Um dos casos emblemáticos é o da africana Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz. Órfã, desonrada, porque ex-prostituta, arrependida das suas faltas e, posteriormente, devota das mais fervorosas, tendo, inclusive, sido a fundadora do Recolhimento do Parto, no Rio de Janeiro, Rosa, segundo seu biógrafo, o antropólogo Luiz Mott (1993), é a primeira escritora da história afro-brasileira. No ano de 1762, caíram ela e seu primeiro confessor nas malhas da Inquisição de Lisboa, acusados ambos de heresia e falso misticismo. Encontram-se incorporadas ao seu processo várias cartas, que, tendo chegado aos tempos atuais, testemunham não só o cerco transposto pela africana para aceder ao mundo da escrita, mas também a escrita de homens e mulheres comuns que a delataram ou que simplesmente com ela se corresponderam. O primeiro projeto a ser aqui estruturado inquirirá toda a produção epistolográfica relacionada a Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz. Esse projeto, apesar de, pela particularidade das fontes inquisitoriais, inscrever-se no campo 2, também se filia ao campo 3, a seguir.
2.3. Edição semidiplomática e modernizada de documentos: